Blog Daniel Geraldini

A lógica do cisne negro

02 Dec 2025

A minha história com esse livro

Esse ano eu reli o livro A Lógica do Cisne Negro. Eu acho que o meu primeiro contato com esse livro foi uma indicação do Érico Rocha do marketing digital em 2018. Eu comprei o livro meio sem saber sobre qual era o tema e então acabei entrando nesse universo de conhecimento.

E justamente nessa época eu tinha acabado de começar a minha pós graduação em gestão estratégica de empresas. Nesse tipo de formação a gente aprende a fazer a matriz SWOT que é a matriz de análises de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças. A gente também aprende a fazer planejamento estratégico de curto, médio e longo prazo.

Eu encontrei esse livro logo no começo da minha formação e muitas coisas mudaram na maneira como eu enxergo o mundo, a ponto de tudo aquilo que eu estava aprendendo se tornar inútil. Esse livro iria me mostrar que todas essas ferramentas da pós graduação são na verdade uma perda de tempo.

Qual é o assunto desse livro

Eu confesso que comprei esse livro porque o autor é conhecido no meio do mundo das finanças e investimentos. Mas logo descobri que na verdade esse é um livro sobre o nosso conhecimento, ou sobre os limites do nosso conhecimento.

Logo no começo do livro a gente é apresentado à palavra “episteme”.

Episteme é uma palavra grega que significa conhecimento. Aquilo que sabemos sobre determinado assunto. O ponto principal do livro é que o que nós sabemos é extremamente limitado e mesmo assim a nossa espécie gosta de acreditar que sabemos muito.

O conhecimento epistêmico é aquele que é adquirido por meio da experiência ou por meio do empirismo. A nossa história de vida nos ensina que determinadas coisas acontecem de determinada maneira. Se tudo sempre aconteceu de uma maneira, provavelmente existe uma razão para isso.

O peru

O livro traz um peru como exemplo de conhecimento epistêmico. Esse peru é alimentado pelo açougueiro todos os dias durante um ano. A vida do animal é perfeita, refeições fartas e regulares. Não há o que reclamar. Na visão do peru tudo está bem. Até que chega o natal e o animal é abatido.

O peru tinha uma experiência de vida que mostrava para ele que está tudo bem. O seu conhecimento epistêmico com provas concretas no mundo real dizia que não há com o que preocupar. Mesmo assim o desastre chegou sem nenhum tipo de aviso.

Em retrospecto…

É difícil olhar para o passado e não julgar decisões. Seria como se estivéssemos perguntando: “como que esse peru não percebeu as intenções do açougueiro? É óbvio que não existe almoço grátis”

A gente tem uma estranha tendência de querer explicar as coisas, principalmente em retrospecto. Tudo faz sentido quando olhamos para o passado. E tudo parece ter um motivo ou uma explicação óbvia.

No livro tem um exemplo bom sobre o problema de tentar buscar explicação para as coisas. O exemplo é um gelo. Olhando para um gelo, a gente consegue de certa maneira imaginar qual será o tamanho da poça de água que irá se formar quando o gelo derreter. Agora o contrário é praticamente impossível. Não dá para imaginar o formato de um gelo a partir de uma poça de água. Na verdade, nem dá para saber se essa água apareceu ali a partir do derretimento de um gelo.

A limitação do nosso conhecimento faz a gente acreditar que podemos explicar a realidade em que vivemos. Faz parecer que sabemos o que vai acontecer ou o que pode dar errado. Como se soubéssemos quantificar o risco. Mas só é possível quantificar risco se você sabe o que medir. Como o peru poderia medir os riscos de ser abatido? Como ele saberia do risco de vida que estava correndo?

Exemplos na análise de riscos

Nós vivemos em um mundo em que as pessoas gostam de fazer “gerenciamento de riscos”. Olhamos para a história e aprendemos com os erros e acertos.

Os pilotos de avião passam por treinamentos rigorosos todos os anos para aprender a passar por situações de emergência. Ajustamos as nossas configurações de segurança com base no que já aconteceu.

O problema desse tipo de conduta é que toda vez que acontece uma emergência nova, é uma emergência que não foi treinada. Recentemente tivemos exemplos com acidentes do Boeing 737 MAX. Havia um problema construtivo e como ninguém foi treinado para lidar com esse problema, acidentes aconteceram. Os treinamentos anuais de segurança que os pilotos passaram acabaram se provando inúteis para lidar com as novas situações.

O Taleb cita como exemplo o procedimento de segurança que foi implantado a partir dos ataques do 11 de setembro em Nova York. Hoje a porta da cabine dos aviões são blindadas. Não dá para abrir por fora. Essa modificação foi feita porque todo o ataque aconteceu porque os sequestradores conseguiram tomar conta dos controles do avião. Então o raciocínio foi que se eles não conseguirem acessar a cabine, então o nosso problema será resolvido. O custo de implantação disso foi relativamente alto. Essa foi uma mudança generalizada na indústria. Todos os aviões tiveram que se adequar.

Agora imagine se um ano antes do atentado, algum burocrata do governo americano tivesse tentando passar uma regulamentação fazendo com que as portas passassem a ser blindadas. Com certeza ele teria sido ridicularizado e ninguém o teria levado à sério.

Inclusive sobre esse mesmo assunto eu tenho outra história. O World Trade Center, que foi o conjunto de torres alvo desse atentado, já tinha sido um alvo antes. Em 1993, um caminhão bomba explodiu no subsolo de uma das torres. A partir de então a segurança foi super reforçada para os carros que entravam no prédio. Eles estavam protegendo o subsolo, mas o ataque foi aéreo.

Da mesma maneira agora todos os aviões estão preparados para esse tipo específico de ataque. Os sequestradores não irão mais conseguir tomar os controles do avião porque as portas são blindadas. Isso significa que a solução proposta foi feita apenas para o que já aconteceu e isso mostra a nossa limitação de conhecimento. Provavelmente os agentes mal intecionados estão elaborando criativamente novas estratégias de ataque que não dependam de cabines de aviões. A gente continua querendo prever o futuro usando como base o que aconteceu no passado.

Limitação do conhecimento e o Cisne Negro

Você consegue ver como o nosso conhecimento é limitado? Podemos nos preparar para o que já aconteceu, mas não sabemos o que pode acontecer. Um novo acontecimento é capaz de mudar completamente a nossa visão do mundo. Essa é a Lógica do Cisne Negro.

Essa expressão é o nome do livro, porque durante muitos anos se acreditou que só existissem cisnes brancos. Isso foi verdade absoluta até que o primeiro cisne negro foi avistado. Observe que basta somente um exemplar do cisne negro para contradizer o que se esperava que acontecesse na realidade.

O cisne negro é um tipo de evento imprevisível que gera consequências explosivas. Então, não é possível se antecipar a esse tipo de evento. Ninguém pode prever quais são as chances de ele acontecer e ninguém consegue estimar quais serão os lucros ou prejuízos caso eles ocorram.

A questão é que vivemos num mundo em que esses eventos acontecem e a gente vive fingindo que eles não eram grande coisa porque todo mundo previu que eles poderiam acontecer.

Então talvez seja mais inteligente viver acreditando na possibilidade que possa existir um cisne negro por aí, mas que eu não estou vendo agora. Esse jeito de viver é sendo mais humilde sobre o nosso conhecimento. Reconhecendo que existem mais coisas que eu não sei do que as coisas que eu sei.

A greve dos caminhoneiros

Eu não sei se você lembra, mas em 2018 houve no Brasil uma gigantesca greve dos caminhoneiros. Eles estavam protestando sobre o aumento do preço do diesel e isso causou graves disrupções na indústria e também no preço do dólar.

Em janeiro o dólar estava tipo 3,20 e em setembro chegou a quase 4,20. Uma diferença de mais de 30%.

Eu não quero afirmar aqui que a greve de caminhoneiros causou o aumento da cotação do dólar. Não é possível tirar conclusões assim a partir desses eventos complexos.

Eu quero falar aqui sobre como a cotação do dólar pode variar 30% no espaço de poucos meses sem que ninguém tenha previsto isso no planejamento anual.

Eu comentei esse ponto com os meus colegas de pós graduação, mas eles ainda não enxergavam o mundo desse jeito. Eu falei para eles que as empresas que dependiam da cotação do dólar deviam estar passando maus bocados e eles responderam que com certeza esse pessoal teria colocado nas suas previsões de planejamento anual uma oscilação desse tipo.

Esse é o mal de quem leva o conhecimento epistêmico muito a sério. Essa pessoa acha que o que ela sabe é um reflexo fiel da realidade. Usando as palavras do Taleb, essas pessoas confundem o mapa com o território.

Quando a gente passa a aceitar a ideia de eventos do tipo cisne negro, a gente passa a ter mais humildade sobre o nosso conhecimento. Reconhecemos que o que sabemos é apenas um pequeno recorte e que muitas coisas sem controle podem acontecer.

Onde existem cisnes negros e onde eles importam

O Taleb investe bastante na ideia de que nem todos os ramos do conhecimento são sujeitos a eventos do tipo cisne negro. Ele usa uma imagem, dividindo o mundo em duas partes: o Mediocristão e o Extremistão

Mediocristão

Esse é o mundo onde as coisas acontecem como a nossa cabeça acha que elas deveriam acontecer. As médias refletem o comportamento médio. Por exemplo, podemos usar a altura média das pessoas para imaginar qual altura um indivíduo deve ter. Nenhuma pessoa terá altura 10 vezes o valor da média. Jamais encontraremos andando por aí uma pessoa com 18 metros de altura.

Geralmente o médiocristão serve para as grandezas físicas. Altura, peso, distância, velocidade…

Aqui uma observação bem feita irá refletir a realidade com bastante precisão.

No médiocristão podemos usar com tranquilidade a probabilidade e estatística que aprendemos no ensino médio ou na faculdade. Podemos resolver aquele tipo de problema: se eu lançar uma moeda 7 vezes qual é a probabilidade de obter 7 caras?

Extremistão

Esse é o mundo em que a média não importa. Grandes desvios acontecem por causa de um indivíduo. Por exemplo, a riqueza. O exemplo do livro é um estádio cheio de pessoas tem uma renda média parecida até que o Elon Musk, o homem mais rico do mundo entre no estádio. A partir desse momento o rendimento médio passa a ser milionário. Não faz sentido achar que como o rendimento médio é milionário, aquelas pessoas são em média milionários.

No Extremistão não existe limite físico para a grandeza que está sendo medida. A riqueza de uma pessoa não é limitada da mesma maneira como a sua altura é biologicamente limitada.

Aqui também entram os eventos climáticos extremos. Por exemplo a erupção de um grande vulcão, ou terremoto.

O extremistão é o local onde acontecem eventos do tipo Cisne Negro. Esse é um tipo de evento que por definição não foi previsto e também não é possível prever quais serão os seus desenrolamentos. Quais serão os efeitos de segunda ou terceira ordem. Usando um exemplo que já vimos nesse vídeo, poucas pessoas teriam previsto que as cabines dos aviões se tornariam blindadas porque teria acontecido um sequestro e um ataque em Nova Iorque.

Ou então quais seriam os efeitos para a cotação de soja no Brasil caso um vulcão na Indonésia entrasse em erupção? Sei lá, esse vulcão poderia provocar mudanças climáticas e então mudar o ciclo da soja. Então, consegue ver como é impossível fazer uma previsão de longo prazo da cotação da soja? Esses eventos são imprevisíveis e impossíveis de quantificar.

A Sorte

No universo do Extremistão, usamos a expressão “o vencedor leva tudo”. Existe pouco espaço para o peixe pequeno ou o peixe médio.

E aqui tem também um ponto muito importante: a sorte desempenha um papel enorme!

Para entender esse conceito de sorte e como ele está relacionado com o extremistão precisamos passar por um experimento mental. Imagine que um faxineiro de um prédio de escritórios encontre numa lixeira um bilhete de loteria e dias depois esse bilhete é sorteado e então ele se torna milionário.

O experimento é tentar simular em quantas vidas o cenário em que esse faxineiro fica milionário aconteceria novamente. Se tudo começasse novamente do zero, quais são as chances de ele se tornado rico?

Nesse exemplo, o personagem precisa encontrar um bilhete perdido e esse bilhete precisa ser premiado. Uma sequência de vários eventos improváveis. Esse é um evento do extremistão ou um evento do tipo cisne negro. Ele não poderia ter sido previsto.

Essa mesma lógica acontece com as pessoas que se dedicam à música, os autores de livros, os atores. Essas pessoas podem ter obtido sucesso, mas teriam obtido sucesso em quantos experimentos de começar tudo do zero?

Do outro lado do espectro temos as profissões tradicionais. Por exemplo, funcionário de escritório, pedreiro, dentista, arquiteto, engenheiro. O profissional médio será remunerado mais ou menos da mesma maneira nas nossas várias simulações de novas vidas. Então uma profissão média é capaz de promover rendimentos médios que não dependem tanto do extremistão. A renda média de um faxineiro é bastante parecida com o rendimento de um faxineiro se a gente excluir da conta aqueles que ganharam na loteria.

Competência

Agora é importante perceber que quem está buscando sucesso numa atividade do extremistão precisa de muita sorte, mas isso não significa que ela precisa apenas de sorte. Ela continua tendo que ser boa no que faz. Ela não precisa ser a melhor, mas tem que ser boa.

O cantor, o escritor, o influencer, o ator.. Todos eles precisam ser bons. Não os melhores.

O problema é que a gente gosta de acreditar na nossa competência e no nosso mérito. Mas em geral vivemos num mundo em que os resultados não são proporcionais aos esforços. Um cantor não é famoso porque ele é muito bom. Ele não é melhor do que os demais. Para um músico fazer sucesso, basta ele ser bom e ter muita sorte. Não adianta ser muito bom e ter pouca sorte.

Como vimos lá atrás, temos essa tendência de explicar as coisas em retrospecto. Então se você perguntar para um desses artistas que alcançou o sucesso qual foi o seu segredo, ele responderá com um monte de coisas que ele fez que foram o motivo de tudo ter dado certo.

Aí para confrontar a resposta dele, precisamos rodar aquele experimento mental. Em quantas vidas ele teria obtido esse mesmo sucesso? Ou então, existem outras pessoas que seguiram esses mesmos passos e não ficarão famosas?

Eu sempre reparo nesse ponto quando vou a um restaurante que tem música ao vivo. Esses músicos são excelentes e provavelmente nunca terão o reconhecimento público merecido. O sucesso no extremistão não é uma função direta da sua habilidade musical.

Depende de na plateia daquela noite ter um produtor musical de bom humor e disposto a investir em um novo artista.

O produtor musical pode fazer um grande investimento nesse novo artista, fazer muitos treinamentos, investir em marketing, roupas, cirurgias e no final das contas pode ser que dê certo. O sucesso não é certo porque depende da sorte.

Da mesma maneira que temos que entender que a sorte tem um papel fundamental, temos que entender que dinheiro para investir em uma dessas profissões não é sinônimo de sucesso.

Exposição ao cisne negro

A gente está vendo que essa história de cisne negro pode ser positiva ou negativa dependendo da maneira como você está exposto ao risco.

Se você está tentando investir em uma profissão que depende de eventos do tipo cisne negro para dar certo, o mais provável é que você não alcance o sucesso. A matemática está contra você.

Por exemplo, um músico de bar pode estar sempre preparado para apresentar uma música do momento para um produtor musical se for solicitado. Um escritor pode publicar com frequência os seus textos na internet. Um empresário pode apresentar a sua ideia inovadora a todas as pessoas que conhece, na esperança de um dia encontrar um investidor.

O primeiro passo para conseguir se beneficiar de um cisne negro é acreditar que ele existe e que ele é imprevisível. Por mais improvável que pareça, um dia uma oportunidade pode chegar e talvez você não tenha uma segunda chance.

As continuações desse livro

Se você quer explorar melhor a ideia de como se expor a esses eventos do tipo cisne negro, o autor escreveu o livro Antifrágril.

E também o autor escreveu um livro para falar que nem tudo o que acontece de ruim na economia pode ser justificado por meio de um cisne negro. Muita coisa é simplesmente incompetência humana e acúmulo de riscos de maneira não inteligente. Esse outro livro é o Arriscando a Própria pele.